Eu falo, ela não me entende;
ela fala, eu não a entendo.
Mas nos comunicamos:
gestos, movimentos de mãos,
jeitos de olhar.
Às vezes ela chega do campo
e me traz um ramalhete de flores;
às vezes vou à vila e lhe trago um doce, um adereço.
Quantas vezes estou na varanda
ao entardecer e de repente
sinto mãos por trás a tampar-me os olhos
– aveludadas, pequenas –
de quem brinca em adivinhações!
Como se outras mãos houvessem
assim tão leves,
delicadas,
plenas de carícias.
Momentos há em que a trago ao colo,
desabotoo-lhe a blusa,
botão a botão,
envolvo-a com meus braços,
meus desejos.
E ela arrulha como um pássaro em liberdade.
Dias ocorrem em que seus olhos rasos
miram à tarde o sol poente além do cerrado;
pode ser então que uma lágrima
lhe escorra pela face.
Nesta hora impera o mistério,
fico a espreitá-la surpreso,
sem entender o que a faz triste.
Mas logo a seguir –
com suas mãos ágeis,
afaga-me a face,
ajeita meus cabelos,
ensaia um sorriso tímido.
Minha mulher chinesa,
não a entendo nem ela me entende,
mas sobre os lençóis
conversam nossos corpos sem pressa
na inteligível língua do esperanto.
Comentários
O mestre novamente se supera. Vai construindo uma literatura com assinatura marcadamente pessoal. Não copia, inventa. Aonde chegará não sei, mas vai longe, mais longe do que o longe que alcançou. Nós, poetas da roça, vamos aprendendo a lição. Fazer bem é fazer sempre melhor. Viva o mestre!