Na cerca de nosso quintal ainda existe um portão. Ele dá acesso à várzea, à mata ciliar e ao Rio Pitangueiras, que foi a primeira piscina de minha infância. Hoje, o portão está fechado. Até o cadeado enferrujou…
Desde 1944, meu pai pescava piaus e lambaris nos remansos do Pitangueiras. Depois de uma chuva forte, as águas ficavam barrentas e fervilhavam os mandis. Em tempos de enchente, até algum dourado curioso subia às nossas nascentes, antes que as represas da CEMIG tornassem impossível a chegada deles.
Meu pai era um pescador excepcional. Tinha uma espécie de sexto sentido para adivinhar onde se escondiam os cardumes. Voltava sempre com a fieira pesada, quando não dava os peixes para os moleques da redondeza.
Meu pai só pescava com o caniço de bambu. Diferente de outros companheiros da ferrovia, ele jamais usou redes, tarrafas ou armadilhas.
Na época da pescaria, meu irmão e eu participávamos das aventuras, devidamente alertados pelo pai:
– Olhem onde pisam! Cuidado com as cobras!
Não me esqueço de uma viagem que fizemos a Três Marias, MG, onde trabalhava meu irmão, já nos anos 60, e a satisfação de meu pai ao pescar em um rio mais caudaloso, com a canoa presa na poita bem no meio da correnteza.
Homem simples, com o magro salário dos ferroviários, a pescaria, o futebol e os cuidados com a horta eram a distração de meu pai.
Um dia, já na casa dos 80 anos, meu pai pescava distraído, ouvindo no radinho a transmissão de uma partida de futebol. Súbito, surgindo do nada, um guarda da polícia florestal, revólver na cintura, arranca das mãos de meu pai a varinha de cana-da-índia e a quebra em pedaços, rugindo:
– É proibido pescar aqui!
Meu pai baixou a cabeça, juntou sua bolsa de pesca e voltou para casa. Aquela foi a última pescaria de meu pai. Desde então, o portão permanece fechado.
Meu pai já nos deixou, quando se aproximava dos 94 anos de idade. Mas o Estado continua crescendo sempre mais, invadindo sempre mais o espaço do cidadão, oprimindo as pessoas com leis e normas, impostos e tributos, pistolas e cassetetes.
Tenho saudades do tempo em que podíamos pescar. E se as coisas não mudarem, o velho portão continuará fechado…
Comentários
Santini, bela parábola! O Estado que deixa meliantes à solta é o mesmo Estado que atribula a vida do cidadão simples e que se dá o direito de intervir em seus hábitos os mais inocentes. E as portas vão se fechando…