Há menos de mil milhas daqui, havia um Reino chamado Reino Próspero.
O Reino tinha tudo de bom. Se um namorado quisesse dar um presente à namorada, bastava uma enxadada no chão para encontrar um diamante ou uma pepita de ouro para incrustar num anel e oferecer à sua querida.
Reinava no Reino Próspero, um Rei generoso que era adorado por todos os súditos, sem exceção. O Rei tinha em sua corte, um cozinheiro chefe, corcunda, feio, mas de sabedoria única no mundo.
Certa vez, o Rei soube que passaria pelas terras de seu reino o Rei de um país vizinho, que era considerado um sábio. O Rei generoso decidiu convidá-lo a almoçar em seu Palácio.
Chamou então o seu Cozinheiro chefe e ordenou: – Toma, Cozinheiro. Aqui está esta sacola de moedas. Corre ao mercado. Compra lá o que houver de melhor para um banquete. A melhor comida do mundo! Quero manter sempre boas relações com esse Rei.
Pouco tempo depois o Cozinheiro Chefe voltou do mercado e colocou sobre a mesa os ingredientes: uma língua de vaca, os mais cheirosos e saborosos temperos de todas as partes do mundo, tomate-maçãs e tomatinhos… (como é o nome daqueles tomatinhos miudinhos?) Ah, sim, você disse tomate cereja. Por acaso, V. estava presente naquele dia? kkkk
Preparou uma baixela de prata, inclusive os talheres e copos e começou a temperar. Um agradável cheiro emanava da cozinha do palácio. Quando o cozinheiro colocou a comida no forno, todos os serviçais de outras dependências, a Rainha, os príncipes e princesas, os nobres familiares aspiravam e exclamavam: “que delícia de manjar está preparando nosso cozinheiro.” Até os cães latiam mansamente estimulados pelo cheiro gostoso.
Quando a mesa foi posta, o Rei ficou surpreso: “Língua”, exclamou. Mais surpreso ficou ao saborear a deliciosa comida. E estava feliz ao ver que o Rei convidado saboreou a comida e, quebrando o protocolo, pediu licença para repetir o prato várias vezes.
Terminado o almoçou o Rei Sábio pediu ao Rei generoso que permitisse encaminhar seu próprio cozinheiro para aprender a fazer o delicioso prato.
– Muito bem, Cozinheiro! Realmente tu me trouxeste o que há de melhor, disse o Rei Generoso. Hum… já sei o que há de melhor!
Dias depois, o Rei do Reino Próspero soube que passaria pelas suas terras, um usurpador de um Reino em construção e que era detestado pela maioria absoluta de seus súditos. O usurpador se chamava Michel Tomar.
Desta vez, o rei chamou o Cozinheiro e disse-lhe: Toma agora esta outra sacola de moedas. Vai de novo ao mercado e traz o que houver de pior, pois quero que este calhorda nunca mais volte aqui.
Quero saber agora o que há de pior…,disse, rindo, o Rei generoso.
Mais uma vez, depois de algum tempo, o Cozinheiro Chefe voltou do mercado trazendo o ingrediente principal: língua. Catou restos de tomates, pimentões, coentro que estavam com prazo vencido e preparou o desagradável prato. Pôs no forno em umas formas velhas que estavam encostadas no quarto de despejo. O cheiro horrível se espalhou por todas as dependências e todos no Palácio detestaram o cheiro. Até os cães ganiam.
O usurpador do trono chegou, começou a comer e largou uma boa parte no prato, o que é considerado até hoje uma tremenda descortesia. Acabado o almoço, nem se despediu direito e foi-se embora deixando transparecer que nunca mais voltaria.
Tomara!, disse o Rei e todos os serviçais.
O Rei generoso arguiu o Cozinheiro Chefe:
Mas por que escolheste exatamente a língua como a melhor comida do mundo e a seguir a escolheste, também, como o pior prato do mundo?
O Cozinheiro de olhos baixos, explicou sua escolha:
O que há de melhor do que a língua, senhor? A língua é que nos une a todos, quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos entender. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças à língua é que se constroem as cidades, graças à língua podemos declarar nosso amor. A língua é o órgão do carinho, da ternura, do amor, da compreensão. É a língua que torna eterno os versos dos grandes poetas, as ideias dos grandes escritores. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra, se afirma. Com a língua dizemos “amor”, “paz”, “mãe”, “querida” e “Deus”. Com a língua dizemos “sim”. Com a língua dizemos “eu te amo”! O que pode haver de melhor do que a língua, senhor?
O Rei levantou-se entusiasmado.
“Mas, me intriga, por que trouxeste a língua também como pior prato do mundo?”, perguntou o Rei mudando o tom de voz.
O Cozinheiro Chefe encarou o Rei e respondeu com altivez:
A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, que divide os povos. A língua é o que usam os maus políticos quando querem nos enganar com suas falsas promessas. É a língua que usam os vigaristas quando querem trapacear. É a língua que os políticos usam para roubar, corromper, enganar o povo. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos, das guerras, da exploração. É a língua que mente, que esconde, que engana, que explora, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que xinga, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz, que corrompe. Com a língua, dizemos “usurpador” “traidor”, “corrupto”, “ladrão”, “inferno”, “canalha” e “demônio”. Com a língua dizemos “não”. Com a língua, dizemos “eu te odeio”!
Aí está, senhor, porque a língua é a pior e a melhor de todas as coisas que um senhor humano pode usar….
Aqui, o Rei e cozinheiro, deixam a nossa história. Resta agirmos lucidamente conscientes e mais do que ouvintes dessa mensagem, ponhamos em prática o que ela manda….”
A Bíblia declara com muita propriedade: “a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero. Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. A mesma boca emana bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim” (Tiago 3.8-10). “A resposta calma desvia a fúria, mas a palavra ríspida desperta a ira.” Livro de Provérbios, capítulo 15.