Quem me conheceu dos tempos de jovem, sabe que minhas falácias são meias verdades, ou totalmente verdadeiras. Eu sempre procuro “botar uma azeitona a mais na empada” para dar mais gosto nos acepipes.
Ontem, quando esperava a “eternidade” da cintilografia de estresse e do ecodoplercardiograma, exames que duraram exatamente nove horas, conheci um cidadão, com a idade completa de 72 anos, meses mais novo do que eu, e que fazia os mesmos exames.
Estava acompanhado de uma linda filha e, no andar inferior, estava o namorado da moça e a senhora mãe da menina, a dona Maria do Carmo. Ficaram distante dos radiofármacos. O velho é uma simpatia total. Bom de papo, contou-me ser fazendeiro em Carolina, do Maranhão. Aí o assunto pendeu para a cachoeira de Pedra Caída e acabou esbarrando em São Luís e Imperatriz, Capital e cidade onde morei (e aprontei) por dois anos.
Das lembranças de Imperatriz, eu contei duas ou três bravatas das dez maiores da minha vida.
Em Imperatriz, naquele ano de 1.988, quem não era “matador de aluguel” era mandante das tocaias e mortes. Escola do Sebastião Curió, aquele que torturava sorrindo. Além do Zé Firmo “executante” exclusivo do Sarney.
Eu fui para lá como Gerente Administrativo da maior empresa do mundo em número de empregados, com Sede em Lugano, na Suíça. Aqui, no Brasil, Asea Brown Bovery ou mais conhecida por SBE ou Sociedade Brasileira de Eletrificação.
Os pagamentos estavam todos atrasados e os credores quando souberam de minha chegada, vieram logo, cobrando e exigindo receber. O dinheiro dependia do Programa de Desembolso que eu levei dias para conseguir ordenar. O caixa estava um caos. Então era discussão atrás de discussões.
Numa das rusgas que tive foi com o dono da Fortil, que, até agora não me lembrei o nome, mas ficou marcado como “dono da Fortil”, a empresa que fornecia seixo rolado para fazer o concreto de assentamento das torres do Linhão Tucuruí-Grajaú.
Até então, com mais de um ano de obras, alegava ele, não ter recebido nem um cruzeiro pelo cascalho fornecido.
Sem pedir licença, como era costume por lá, ele adentrou a minha sala, a primeira de um tanto de quartos da casa alugada para escritórios.
O homem desceu de uma pequena caminhonete velha, uma furreca, descaço com o pé mais curtido do que uma precata de couro cru. Se não tinha dois metros de altura, faltava pouco. Chegou e como “símbolo de poder local”, depositou em cima da minha mesa um Revólver Colt “cavalinho” carregado com seis balas.
– Hoje eu só saio daqui com meu pagamento! Anunciou, com voz tonitruante, logo na entrada da sala.
Eu saí de trás do bureau, onde eu me mantinha diante de dezenas de papéis, sem valor real, misturados no meio de tudo quanto era documento constituinte do saldo que deveria estar à disposição para os pagamentos na Obra. Levaria dias para ordenar a bagunça e solicitar a bufunfa.
Coloquei a mão no ombro do cidadão apresentei-me e esnobei alguns resquícios de sociologuês, abusei da filosofia e fomos caminhando para os fundos da casa, onde dona Alvina, nossa zeladora, acabara de passar um café da hora. Ali, tomamos o café no copo, falamos da valentia necessária para se enfrentar os desmandos governamentais, alguns choques de poderes de todas as ordens e até da natureza.
Esforçava-me para manter a mão nas alturas dos ombros do meu fornecedor e já sabia quase tudo de sua vida, de sua família e do duro danado que dava para manter a empresa, cujo cone de um antigo forno, que, mesmo de longe, ajudou-lhe a me indicar onde ficava a Fortil. Era lá que a SBE pegava o pedregulho para concretar e assentar as torres da linha de transmissão.
Entrou na caminhonete e partiu com um forte aperto de mão. Eu retribuí com toda força que pudera apertar a sua mão enorme e calejada.
Quando retornei à minha mesa, lá estava o Colt dentro de uma capa de couro envelhecido pelo uso, certamente, lembro detalhe que estava esgarçada bem no sinal da massa de mira e quase furada no final do cano 38.
Depois de um bom copo d´água, e mais uma cafezinho da dona Alvina, procurei logo o telefone da Fortil, liguei e fui atendido por uma voz feminina. Apresentei-me como Gerente da SBE e a atendente informou-me ser a secretária do empresário. Perguntei por ele e ela me disse que ele havia saído apressado, pois perdera sua arma, não lembrava onde. Eu mais do que depressa a tranquilizei que o revólver estava bem guardado no cofre da Companhia.
Ainda, não havia o celular, mas ela conseguiu um contato com ele, pois sabia por onde iria passar e o acalmou dizendo que ficasse tranquilo, pois seu trabuco estava em boas mãos.
Rindo, um sorriso meio amarelo, ele logo estacionou sua velha caminhonete na frente do escritório e eu, logo que o vi, antecipei a entrega para que ele não perdesse mais tempo.
Ele nem desligou a máquina, mais ainda tive tempo de ouvir o maior agradecimento naquela terra:
– Hoje, aqui, aprendi uma lição. Eu com arma e munição fui vencido pelo senhor com prosa e boa educação.