Minha velha Belo Horizonte

Publicado por Sebastião Verly 17 de dezembro de 2014

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Estávamos no ano de 1960. Belo Horizonte era uma pacata cidade com meio milhão de habitantes. Os bondes ainda circulavam barulhentamente. Iam naquela modorra. A cidade com largas avenidas viam essas largas vias começarem ou terminarem dentro de seu perímetro urbano. As avenidas depois se estenderam com o crescimento da cidade, mas curiosamente, até hoje há uma única rua que cruza a Avenida do Contorno sem mudar de nome: a Itajubá, no Bairro Floresta.

A Avenida Afonso Pena iniciava e terminava em distância que poderiam ser cobertas numa boa caminhada. A Avenida Senhora do Carmo não tinha esse nome e nem era conhecida, por servir apenas como começo da BR 3, hoje BR 040. A Avenida Antônio Carlos desfazia-se ao chegar na Pampulha e dali para frente era a estrada para Sete Lagoas e cidades do norte de Minas. A Avenida Amazonas se esgueirava como caminho para São Paulo e no outro braço à direita seguiu para o interior de Minas. Esse braço passava no centro da cidade de Betim, onde tinha o mesmo nome: Avenida Amazonas.

A Avenida Brasil, que termina com o Palácio da Liberdade ao fundo, sempre começou na praça do atual quartel do 1º Batalhão da Policia Militar, o antigo Batalhão da Guarda Governamental, o temido BG, onde todos os brutamontes eram arregimentados. Naquela época formavam uma espécie de tropa de choque, não para reprimir manifestações políticas, pois o clima era bem distensionado, mas quando havia uma confusão na zona boêmia envolvendo bêbados e desordeiros, e as “rapas” GMC azuis da Guarda Civil se sentiam impotentes, credo em cruz-ave maria, aí entravam em cena os camburões cinzas do BG, e todo mundo apanhava muito, inclusive os transeuntes curiosos.

A cidade dormia cedo e uma única boate frequentável se intitulava Night and Day, e ficava na Barroca, esquina de Avenida Amazonas com Rua Chapecó, como os preços não eram populares, era frequentada por um público mais maduro, muitos vindos do interior do estado. Os bares e restaurantes já eram bastante numerosos. Nos bares e botecos serviam-se petiscos como o fígado acebolado, a carne cozida, a linguiça com mandioca e o miolo de boi à milanesa. Nos botequins a pedida era o guaraná e a sodinha grato preto, ou o até hoje saboroso e exclusivo Mate Couro. A fábrica de bebidas Paraguay era mais conhecida do que a Coca Cola.

Durante a semana e até sábado ao meio dia, o comércio e, acreditem, até os bancos funcionavam em meio expediente. Aquele foi o último ano em que os bancos abriram suas portas na segunda-feira de carnaval. Depois o sindicato provou que, já naquela época, não seria possível distinguir os bons dos maus mascarados e conseguiu que os banqueiros acedessem ao pedido de fechamento. Aos sábados os trabalhadores dos bancos e do comércio aproveitavam o fim do expediente ao meio dia e saboreavam ali perto a tradicional feijoada. Aí valia uma batida de limão, tempos depois batizada caipirinha, e uma cerveja estupidamente gelada, como se dizia na época.

No Natal era possível comprar um garrafão de vinho e uma caixa de uvas nos caminhões estacionados na praça da Feira de Amostras. Se houvesse uma economia era possível encomendar um pernil e os mais ricos pediam um leitão à pururuca na Padaria Boschi. Da padaria, diga-se de passagem, saía um excelente pãozinho de sal para o sanduiche de mortadela, divino diga-se, servido rapidamente no balcão.

Estudantes, em fins de semana reservavam uma grana para uma viagem à cidade natal. Era grande a migração de jovens que vinham das mais distantes cidades para estudar ou trabalhar ou as duas coisas em Belo Horizonte. Para a turma de estudantes, acredite quem quiser, uma pelada bem perto de casa era um bom exercício. Ali em plena Avenida Brasil à direita da Avenida Afonso Pena, marcávamos com pedras gols sem travessões. E o futebol consumia boas calorias.

Num sábado previamente combinado, os conterrâneos se reuniam, alugavam um lotação e iam para uma pelada onde fica a atual estrada para Santa Luzia, que era a continuação da Rua Jacuí, considerada a maior via da cidade, com seus mais de cinco quilômetros. Aí usávamos até uniforme, traves com rede e tudo. O sábado, com jogos na área conhecida como Matadouro, região atual do Bairro Suzana, ficava na nossa história pessoal. Hoje, aquela região de antigas olarias nem se lembra dos esforços, dos gastos e das alegrias que tínhamos com as peladas. Recordar é viver!

Comentários
  • Antonio Ângelo 3617 dias atrás

    Verly, relendo o texto, veio-me à mente as famosas horas dançantes: clubes, Colonia Italiana, Cinquentão no Santa Tereza. Um caleidoscópio de imagens ao qual destes as cores inciais!

  • verly 3624 dias atrás

    Muito obrigado a tão atentos e atenciosos leitores.

  • Elton Oliveira 3627 dias atrás

    Nessa época eu era menino e vinha de ônibus do interior com meus pais chegando pela avenida Antonio Carlos, eu ficava deslumbrado com os anúncios multicoloridos em gás neon, não me esqueço do Posto Peixe Vivo, que ficava no inicio da Antonio Carlos, na placa tinha o peixe saltando da água, acendendo e apagando. Emocionante.

  • Antonio Ângelo 3630 dias atrás

    Bucólica esta BH! E a vida de então, é bom que haja quem possa reavivá-la para nós na atual conturbada metrópole!

  • verly 3630 dias atrás

    O editor é excelente e conhece tanto do conteúdo como de edição. Parabéns.

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