Por que não sou comunista…

Publicado por Carlos Scheid 3 de dezembro de 2014

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Foi em Brasília, em janeiro de 1962, que fizemos contato com a delegação soviética “Xadrez pela Paz”, chefiada pelo jovem Alexey Alexeyev, 19 anos, campeão mundial juvenil do nobre esporte milenar. O grupo de jovens queria fazer contato com jovens colegiais interessados em xadrez e engajados em movimentos sociais (o que, na URSS, teria levado centenas de jovens ao outro xadrez).

Naturalmente, ganhamos de bônus alguns exemplares de “Das Kapital” em edição lusitana e discretos bottons com a foice e o martelo. Mas nosso maior interesse estava naquela velha escola enxadrística onde haviam pontificado Alekhine, Botvinnik, Petrossian, Shirov e Smyslov. Naquele mês, o infeliz capitalista Bobby Fisher ainda não havia esmagado Boris Spassky, para lançar de vez na sarjeta a hegemonia dos orientais. Por isso, só babávamos para os russos do tabuleiro.

Até aí, o comunismo ainda me atraía, pois as quadrículas pretas e brancas pareciam demonstrar a inferioridade das táticas capitalistas, incapazes de reproduzir no xadrez as proezas da segunda Grande Guerra.

Foi quando tive a oportunidade de jogar uma partida amistosa com Alexeyev. Mal me acomodei na banqueta e, já no quarto lance, o jovem mestre soviético me tomava a rainha.

– Tudo bem! – pensei comigo. Afinal, a rainha era o ícone perfeito dos detestáveis imperialismos que espoliavam a plebe indefesa. Até a Revolução Francesa já guilhotinara Maria Antonieta. Vá lá!

Dois lances adiante, Alexeyev me comia o bispo da diagonal branca.

– Não faz mal – matutei em silêncio. Não foram os eclesiásticos que sempre estiveram do lado das elites, autênticos lacaios do poder? Morte aos bispos cooptados!

Mais três lances e o representante soviético devorou meu cavalo do rei. Comecei a ficar preocupado: que ideologia é essa que devora cavalos? Logo nosso amigo cavalo, útil e obediente, ancestral dos centauros e alvo de tão grande afeto da parte do futuro Presidente Figueiredo?

Pois o pior estava por vir. Uma torre avançou de Leningrado e deitou por terra um de meus indefesos peões. Aí foi demais: um pobre peão, membro do proletariado, servo da gleba, ser alvo de um petardo à distância? Então o comunismo lançava mísseis contra a população civil?! Se um humilde e inerme peão é friamente assassinado por um dos membros do Politburô, quem estaria a salvo?

Não pude mais controlar-me… Arranquei o relógio à minha direita e mirei bem no meio da testa do invasor do Leste Europeu. Alexeyev caiu por terra. O sangue corria aos borbotões. Uma multidão acudiu e o ferido foi logo internado no Hospital de Base, onde, naturalmente, corria sério perigo de infecção hospitalar.

Minha salvação foi que uns amigos me devolveram rapidamente para Barra do Piraí, onde fiquei seis meses escondido na fazenda do Alfredinho Neves.

Claro, depois disso tudo, como poderia eu ser um adepto do comunismo?

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