que a poesia que fizer
não fale do que foge do que
ao romper do dia se esvai
que a minha poesia
se estenda no piso
como um molambo
ou como um raio de sol pela fresta
atingindo o recanto do quarto
enquanto dormes e reabilitas sonhos
em que não habito
que a minha poesia
soe como o canto de um pássaro
antes que alce voo
minha poesia veja
nem se importa em ser coerente
ignora o que tem à destra
viaja sem conhecer
o mapa que persegue sem
conhecer a que serve
minha poesia
eis que rola inútil pelo chão
feito um cão epiléptico
mas de novo se levanta e de novo
a abatem e ela sangra e se acaba
sabendo que por mais alto queira
falar responde-lhe o eco com
um silencio que a atordoa
minha poesia
o que lhe resta a cumprir é
enviesada embutida enrustida à toa
servir ao que menos importa
ao que for fugitivo indigente
acomodar-se ao vezo do que resta
à margem do escambo