Crítico atento do mundo ocidental, o Cardeal de Viena, Cristoph Schönborn, em seu livro Le Défi du Christianisme, ou O Desafio do Cristianismo, afirma que a moda não é necessariamente uma espécie de constrangimento. Mas precisamos de critérios responsáveis que se apresentem como alternativas às tendências da moda. O primeiro deles consiste em encorajar tudo aquilo que estimula nossa faculdade de percepção, de observação exata, de contemplação. Exatamente o contrário do que se experimenta com a vertiginosa sucessão de imagens de um clip de TV. Aqui, não há tempo para o “maravilhamento”. Já a arte, bem como a religião, exige tempo para a concentração do espírito e dos sentidos.
Um segundo critério se identifica com o savoir-faire, o saber-fazer do artista-artesão, igualmente fruto de um longo exercício no tempo, de habilidades adquiridas com a prática e com o domínio de instrumentos e ferramentas, ao lado do necessário mergulho na tradição para a absorção de modelos da herança clássica. Em tempos de pressa – o mercado não pode esperar! – alguns borrões podem passar por impressionismo ou expressionismo… O terceiro critério propõe que a qualidade tenha mais valor que a atualidade. Deixar de lado tudo o que é secundário e/ou parasitário para concentrar-se naquilo que expressa a experiência essencial do humano. Pena que em nossas escolas as obras clássicas da literatura tenham sido substituídas por “resumos para concurso”.
Outro critério para a elaboração artística é a capacidade de provocar no espectador uma reviravolta profunda e purificadora, autêntica catarse, sem confundir “emoção” com “choque” ou “escândalo”. Como observa Schönborn, “a beleza não é da ordem do simples prazer estético”. E cita a reação do poeta Rainer Maria Rilke diante do Torso de Apolo: “Tu deves mudar tua vida”. Ou o famoso preceito do cineasta russo Tarkovski: “A finalidade da arte consiste em preparar o homem para sua morte, em fazer que ele se sinta tocado no mais íntimo de si mesmo”.
O quinto critério propõe que a verdade não seja trocada pela sinceridade. “O fato de mostrar tudo, revelar tudo, pôr tudo a nu, não significa necessariamente veracidade.” Assim, o medo da morte expresso na famosa tela de Goya Tres de Mayo, Museu do Prado, Madri, que mostra o fuzilamento dos revoltosos, é absolutamente verdadeiro, ainda que não ceda nada ao sensacionalismo e não fira o pudor.
Schönborn ainda fala de uma arte que estimule a virtude, reunindo o belo, o verdadeiro e o bom, ao mesmo tempo que se lamenta da atual suspeição generalizada contra o “homem bom”, em nome de pretensa reação contra o farisaísmo de ontem. Mas o ponto central de suas propostas gira sobre a preferência pela “contemplação, a concentração do olhar, em lugar da trepidação da sociedade dos homens apressados a viver tudo”. E viver já. Como não podia deixar de ser, os reflexos dessa realidade irradiam-se também no âmbito religioso.
“O torso arcaico de Apolo
Rainer Maria Rilke
Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado
Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.
De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assim, como pele selvagem.
E nem explodiria para além de todas as fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida.”
Comentários
parabens, prof. santini. ha muitos anos li 1 livro seu. presente do maestro urbano medeiros. gostei muito.
o sr. mora a onde? perdi os contatos com o Urbano.
abç,
maria kalil – sao paulo
Belíssimo comentário. Inteligente, claro e de simples leitura.
Precisamos de mais pessoas que nos fale de arte com esta linguagem.
Abraços e parabéns.