Num bar do Maleta
é que o vi, sentado à mesa,
em principio de noite
de uma sexta-feira.
A barba de profeta, cabelos em desalinho,
olhos claros, perscrutadores,
os braços fortes, as mãos gesticulando no ar,
tirava baforadas do charuto
e bebia do copo com uísque sem gelo.
A mulher que o acompanhava tinha a pele clara,
tinha longos cabelos negros,
olhos de mistérios, cheio de sombras,
(poderia ser Irene Pappas do Zorba),
um xale sobre os ombros – também de cor negra.
A mulher que o acompanhava apenas ouvia.
A mulher que o acompanhava não sorria.
De mesa próxima o ouvia contar casos:
caçadas na África em savanas abrasantes,
touradas em Pamplona,
pescarias no Caribe em mares irrequietos,
porres homéricos em toda parte.
Em certo momento percebi sombras –
reflexos de irreprimível angústia –
toldando-lhe a face tostada pelo sol
e fustigada que fora pelos ventos marinhos.
Contou sobre a guerra espanhola,
sobre irrecuperáveis perdas
desde um tempo quando em Paris
tinha sua Elizabeth
e a criança que os encantava.
Era um tempo difícil – ouvi-o dizer –
de muitas agruras e incertezas,
mas tão logo passou percebeu
que perdera, por sua inteira culpa,
a melhor parte de toda a vida.
Mistura de força e desalento,
deixava transparecer o homem torturado
no gênio que criara mundos cheios de vida
e a mística do velho pescador
que enfrentara tormentas,
ora circunscrito às montanhas de Minas.
Fui ao banheiro e quando voltei
a mesa ao lado se encontrava vazia.
Rescendia ainda no ar a essência do Havana
e mal tive tempo de entrever
reflexos das escamas de um espadarte
a mergulhar na escuridão de um corredor lateral.
Comentários
Hemingway em BH é mais uma saga urbana, mesmo que atípica,com a presença do velho lobo do mar no Maleta, na maravilhosa obra desse rapaz chamado Antônio Ângelo.
Oi Angelo,
Trabalhar no Edifício Maleta te deixou inspirado.
Este vai para a minha pasta de tesouros.