Tem os olhos sanpaku
e uma algema lilás
desenhada no pulso.
Fala de coisas:
viagens, longas estradas
rumo a montanhas nevadas.
Deixa algumas vezes
um que de melancolia
destilar das íris acastanhadas.
Às vezes olha para a tatuagem
e em silencio
mira os horizontes longínquos.
Ninguém sabe ao certo
o que a retém aos limites
da aldeia onde nasceu.
Comentários
O que fazer quando mais que ler, as palavras se alinham e se alinhavam ao sentido múltiplo da existência, perfilando estranhamentos que levam à mais pura contemplação? O universo angeliano busca o leitor e o escriba, polos buscantes do mesmo mundo, e que quando se aproximam, mais se repelem, virando e revirando neste vasto mundo vão, as porções quintessencias que quando fazem menos, nos sustentam. Ah! Meus amigos, todo o cuidado deverá ser invocado, pois uma vez feito o mergulho, virados e revirados, nunca mais seremos os mesmos.
Um belo poema. Antônio Ângelo, para quem não sabe, é um escritor refinado e cirúrgico (sem trocadilho, já que é médico também), pois consegue escrever com rigor e concisão.
Gosto muito, e sempre.
O tema do estar longe e perto (ao mesmo tempo, ou numa ambiguidade) lembra-me um dos contos de Guimarães Rosa de que mais gosto, o Audaz Navegante.
Ramon
A poesia de Antônio Ângelo, como a Música, transporta o leitor para bastidores inexplorados, dentro de si mesmo. E perturba. E encanta.
Mais um pós-haikai estilizado, no estilo próprio desse que já é um dos poetas mais importantes da raça. Sempre com uma pergunta para desvendar os últimos abismos em que vagam perdidos os habitantes desse mundo imperfeito. Após uma dose poética de AA, lê-se a realidade de forma diferente, o que só faz bem.